“Sons da Esperança” renova autoestima de pacientes após tratamento invasivo contra o câncer

Participantes do coral se reúnem, toda última quarta-feira do mês, para cantarem músicas de motivação no auditório do CHMSA

“É preciso saber viver, é preciso saber viver”, a música é entoada por um grupo que pratica dia após dia o que ensinam os versos famosos dos Titãs. Pacientes em tratamento contra todo tipo de câncer na região da cabeça e pescoço, e até seus familiares, se reúnem toda última quarta-feira do mês, no auditório do Centro Hospitalar Municipal de Santo André (CHMSA) Dr. Newton da Costa Brandão, para juntos cantarem e buscarem forças para enfrentar as sequelas da doença.

Os coralistas, do projeto intitulado “Sons da Esperança”, não têm timbre ou projeção característicos de um cantor, mas é justamente na diferença que os participantes se destacam. Alguns com a voz falha, outros com dificuldade de articular as palavras e até aqueles submetidos à traqueostomia cantam vidas inteiras e emocionam pela força de vontade.

O projeto foi criado em 2006 pela fonoaudióloga do CHMSA, Sonize Albuquerque Gimenez, que até hoje coordena os encontros e, neste período, já recebeu dois prêmios – um deles internacional, concedido pela família Jackson em 2011, além do prêmio da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia, em 2013. “Eu atendo esses pacientes na UTI e no ambulatório, lá mesmo faço o convite para fazerem parte do grupo.”

O hospital municipal é referência para todo o ABC em cirurgia e tratamento de câncer de cabeça e pescoço. Em 2017, realizou 89 procedimentos, enquanto neste ano, já foram 106 cirurgias deste tipo. Mensalmente, 780 pacientes são atendidos pela especialidade de Fonoaudiologia no equipamento, sendo 700 adultos e 80 crianças.

Para realizar este trabalho, a profissional conta com o apoio de uma amiga, a musicista voluntária Rita Maria Silva, que toca violão e puxa as letras. “O câncer nessa região tem outro fator que desestabiliza emocionalmente esses pacientes, que é a questão estética. A remoção do tumor é muito visível, eles perdem em muitos casos parte da língua, mandíbula, palato (céu da boca). Nesse sentido, a música os auxilia e também os familiares a lidarem com esse componente emocional. Eles chegam aqui, choram, desabafam e se unem. Cantar acaba não sendo apenas um estímulo físico, mas sentimental”, explica Sonize.

Quem traduziu bem as palavras da fonoaudióloga foi a aposentada Alcina Augusta da Costa, de 78 anos. Na última quarta-feira de setembro, dia 26, foi a primeira vez que ela participou da atividade. Alcina chegou com lenço e máscara na região do pescoço e da boca para cobrir as marcas da recente cirurgia de retirada de um tumor na tiróide. Acolhida por todos, a aposentada decidiu retirar os acessórios, mostrando muito além de suas cicatrizes na pele. “Ouvir a música me fez lembrar do meu finado marido, acabei me emocionando. Acho que vai ser bom pra mim, nunca tinha participado”, disse chorando e sendo abraçada por Sonize.

Seguindo o repertório, um dos coralistas participa da música “tocando em frente”, de Almir Sater e Renato Teixeira, estalando a língua e os lábios. Quando Sonize pede que ele se apresente, Márcio Fernandes, de 54 anos, se levanta para pronunciar seu nome, intrigando quem o via pela primeira vez. O ajudante geral perdeu a laringe, região do corpo onde se localizam as cordas vocais. Para produzir o som, Sonize desenvolveu com ele a técnica da voz esofágica. “O segredo de viver é a força de vontade, esquecer o passado e viver o agora”, ensina ele com esforço e intensa articulação dos lábios.

Quem abre um sorriso ao ouvir Márcio falar é sua esposa Vera Lucia Fernandes, de 54 anos. A dona de casa acompanha o marido no grupo e reforça os benefícios da atividade. “Desde que ele ficou doente, eu estou perto dele. A gente se uniu mais com o que aconteceu e o grupo o ajudou muito.”

A presença de parentes não é rara nos encontros, inclusive, eles chegam a proporcionar a reaproximação entre paciente e familiares. “Em muitos casos, os meus pacientes faziam uso excessivo de álcool e cigarro, fazendo com que houvesse um rompimento com a família. Com a doença e com a recuperação deles, o contato volta a acontecer, bem como o apoio vem junto. Aqui no grupo eu tenho até a esposa de um paciente meu que já faleceu, mas ela continua, é uma forma dela lembrar dele”, relata Sonize.

Fonte: Comunicação PSA
Foto: Alex Cavanha / PSA

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