HORIZONTE PREMEDITADO

HORIZONTE PREMEDITADO

26 de julho de 2022 Off Por admin

Detalhes do Evento

Este evento irá acabar em 08 março 2022


HORIZONTE PREMEDITADO

Esta não é a primeira ocasião em que as poéticas de Aline Moreno e Renata Laguardia são expostas lado a lado. À primeira vista, é a pesquisa em torno da paisagem o ponto de contato entre as duas artistas, que lançam mão de materiais e repertórios formais inequivocamente diferentes entre si. Enquanto parece haver, nas esculturas e desenhos de Moreno, uma ênfase na estruturação topológica de uma geologia ficcional, Laguardia produz pinturas nas quais a paisagem nasce de uma gestualidade pictórica e de um imaginário de tonalidades surreais.
O conjunto de obras reunidas em Horizonte premeditado permite acessar essas poéticas no que cada uma delas possui de irredutivelmente singular, mas ao mesmo tempo, convidamos o visitante a ampliar o olhar sobre o que pode haver de comum nesta produção, para além da paisagem.
Como tema e como gênero pictórico, a paisagem possui uma história que se confunde com a própria noção de modernidade. Em uma das correspondências publicadas por ocasião da recém-encerrada 34ª Bienal de São Paulo, Carla Zaccagnini fornece uma bela síntese da questão: “Li num livro sobre a história da pintura de paisagem que Petrarca foi o primeiro homem moderno, por ter sido pioneiro em escalar uma montanha pelo prazer da subida ou para ver o mundo de cima e afastar o horizonte. Ou para saber como se via o mundo sem ele, separado dele, como um espaço em que esse homem não se insere, do qual não participa”. Nas origens da modernidade e na gênese da paisagem encontra-se esta separação e a consequente conversão do mundo em objeto, quando dele pode-se servir ou em imagem, quando ele devém-paisagem.
Evidentemente, a arte contemporânea investe sobre o gênero da paisagem encovando a contrapelo sua história, seja através de trabalhos que descortinam os vínculos entre o engendramento da paisagem e a empresa colonial, de cujas consequências ainda padecemos; seja embaralhando a ideia de que deve haver necessariamente uma clivagem entre o sujeito e o mundo para que a paisagem emerja.
Ao nos posicionarmos diante da monumental Rainha das águas rosas, de Renata Laguardia, nossa atenção é modulada e serpenteia como os fluxos de consciência das personagens de Virginia Woolf, que percebem, contemplam e rememoram com uma fluidez que contradiz a separação moderna entre sujeito e objeto, que classicamente é postulada como condição para a emergência da paisagem. Talvez seja por isso que há tanta água nas paisagens de Laguardia. A água, com suas propriedades de reflexão e refração da luz, tensiona a ótica geométrica baseada na transparência e pressuposta na construção da paisagem.
Já a escultura Paisagem infinita, de Aline Moreno, em vez de embaralhar a dicotomia entre objetividade e subjetividade ou entre razão e emoção, aposta em uma radicalização do pensamento construtivo moderno. A peça, composta por dez módulos de iguais dimensões apresenta uma paisagem paradoxalmente infinita, posto que sua forma resulta em uma arquitetura modular sobre a qual atua uma força centrípeta, que nos mantém dentro do trabalho. Que esta força seja engendrada por uma estratégia construtiva, tão pouco afeita historicamente à contemplação, é, sem dúvida, um dos aspectos que fascinam no trabalho de Moreno.
Além destes trabalhos de grandes dimensões, Horizonte premeditado apresenta pinturas de Renata Laguardia e desenhos de Aline Moreno, tudo inédito. Como anunciamos nas primeiras linhas deste texto, suspeitamos de que há mais em comum nas poéticas das duas artistas do que a noção de paisagem nos permite apreender. Talvez seja uma compreensão da paisagem como linguagem, passível de servir aos mais diversos enunciados, que aproxime as artistas. Premeditar o horizonte como quem escreve um poema, revirar os sentidos de cada unidade da composição, e chegar a paisagens que são irredutíveis à soma de suas partes: não é pouco o que nos oferecem Aline Moreno e Renata Laguardia.

ICARO FERRAZ VIDAL JUNIOR