Paranapiacaba é uma vila localizada no topo da Serra do Mar, no município de Santo André, a cerca de 30km do centro da cidade. Foi construída pela São Paulo Railway para abrigar seus funcionários durante a concessão da estrada de ferro Santos – Jundiaí, iniciada em 1860.
A Vila é dividida em três espaços definidos: Parte Alta ou Morro – lotes particulares que foram sendo ocupados por comerciantes, famílias de ferroviários e ferroviários aposentados; Pátio Ferroviário – formado pelo pátio de manobras, estação e galpões ferroviários; e, Parte Baixa – formada por dois complexos urbanos, a Vila Velha ou Varanda Velha e a Vila Martin Smith ou Vila Nova. A Parte Baixa era propriedade da Rede Ferroviária Federal e adquirida pela Prefeitura de Santo André em 2002.
O elemento de ligação destes três espaços é a passarela (ou ponte, de acordo com o costume local), que permite o trânsito de pedestres entre a Parte Alta e a Estação Ferroviária de Paranapiacaba e as Vilas Martin Smith e Vila Velha. Este pequeno vilarejo rodeado pela Mata Atlântica preserva grande acervo histórico cultural, arquitetônico, industrial, tecnológico e ambiental.
O patrimônio histórico e ambiental é tombado pelo CONDEPHAAT (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico Artístico, Arquitetônico e Turístico do Estado de São Paulo), desde 1987; pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) desde 2002; e pelo COMDEPHAAPASA (Conselho Municipal de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arquitetônico-Urbanístico e Paisagístico de Santo André) desde 2003.
A Vila está na lista da UNESCO para ser reconhecida como Patrimônio da Humanidade.
Características geográficas da Vila de Paranapiacaba:
Altitude: média de 840 metros.
Área: 480.000 m².
Clima: sub-tropical úmido.
Relevo: Serra do Mar, planalto paulista próximo à escarpa.
História da Vila
A história da Vila de Paranapiacaba está relacionada à ferrovia e ao desenvolvimento econômico da Província de São Paulo. Desde meados da primeira metade do século 19, havia interesse na implantação de um meio de transporte eficiente e que substituísse as mulas e escravos no transporte de produtos da capital para o Porto de Santos. O surto açucareiro do início do século 19 impulsionou as primeiras providências nesse sentido. Após algumas concessões iniciais que não se desenvolveram, em 1856 foi concedida autorização ao Marquês de Monte Alegre, Conselheiro João Antonio Pimenta e Barão de Mauá para buscar incorporação de uma companhia no exterior que construísse uma estrada de ferro entre Santos e Jundiaí. A empresa São Paulo Railway Company foi organizada com capital inglês e brasileiro e tecnologia inglesa. Em 15 de maio de 1860 foi fincada, em Santos, a pedra fundamental da estrada de ferro.
A partir desse momento, a Vila de Paranapiacaba passou a figurar como um local de acampamento de trabalhadores que se dedicaram à construção da ferrovia. A construção do trecho da Serra foi penosa, devido ao clima, muito chuvoso, e ao solo e relevo, sujeito a desmoronamentos. O sistema utilizado ali denominava-se Sistema Funicular dos Planos Inclinados, e dividia o trecho da Serra em quatro patamares. Os vagões subiam e desciam presos por um cabo de aço a máquinas fixas instaladas nesses patamares. A estrada de ferro foi inaugurada em 1867, momento em que Paranapiacaba já era constituída de um pequeno pátio de manobras, algum comércio na Parte Alta e de um acampamento na Vila Velha que, inicialmente provisório, formado por alguns alojamentos de arruamento irregular, foi sendo preservado para a manutenção da estrada e do próprio sistema.
O Morro ou Parte Alta foi se implantando desde 1862, concomitantemente à Vila Velha. Há registros de que desde 1880 havia um oratório na Parte Alta. A Igreja do Senhor Bom Jesus, ponto de referência dessa parte da Vila, teve sua pedra fundamental lançada em 3 de fevereiro de 1884. Ao longo dos anos foi se organizando ao seu redor um adensamento urbano de características semelhantes às do sul da Europa, com moradias em encosta de elevação natural e maioria de ruas estreitas, fazendo frente para o Pátio Ferroviário. Ali residiam moradores que necessariamente não estavam envolvidos com o trabalho ferroviário, mas negociavam gêneros alimentícios provenientes de várias localidades, em especial Mogi das Cruzes.
No final do século 19, a estrada de ferro cumpria seu papel, transportando café produzido no interior de São Paulo e exportado pelo Porto de Santos. Além disso, era crescente o fluxo de passageiros. Em 1874 o negócio já era rentável e o governo imperial iniciava pressão para que houvesse melhoramentos na linha, como a construção de uma casa abrigo de locomotivas, aquisição de mais locomotivas e vagões e a construção de uma estação em Paranapiacaba – se esperava um certo tempo para descer até Santos, pois o trem que vinha de São Paulo, era subdividido em vários pequenos vagões para descer até a Raiz da Serra, onde era reagrupado em um único trem até Santos. Em 1895, devido ao grande fluxo de mercadorias e passageiros e à inaptidão da linha ferroviária para tal expansão, a São Paulo Railway se viu obrigada a duplicar a linha, criando a Serra Nova ou Novos Planos Inclinados do Alto da Serra. Em 1896 os desenhos foram aprovados e em 1901 foi inaugurada a nova linha, que permitiu a melhoria no transporte de carga e de passageiros. O sistema era semelhante ao anterior: Funicular, mas com algumas inovações tecnológicas e a construção de outros cinco patamares até o Alto da Serra.
Com a duplicação da linha e o aumento das atividades em Paranapiacaba, o antigo acampamento existente na Vila Velha também precisou ser ampliado. Inaugurou-se, em 1897, a Vila Martin Smith ou Vila Nova. Esta se caracterizava por um conjunto planejado de edificações, com arruamento regular constituído por vias principais, secundárias e vielas sanitárias. O conjunto destacou-se por ser um projeto urbano com preocupações sanitárias e que respeitou as condições topográficas do local. Em um documento de 1896, da São Paulo Railway, esta situação é evidenciada: (…) estas habitações serão construídas com as necessárias acomodações higiênicas, dotadas de canalização de água potável e de esgotos e serão dispostas ao longo de ruas arborizadas, com alinhamentos regulares, formando um núcleo de uma importante povoação no futuro (…).
O aspecto provisório da Vila Velha foi trocado por uma vila organizada que possuía local definido de comércio, área de lazer, definição de tipologias de residências de acordo com a hierarquia da empresa: casa de solteiros, casas geminadas de duas, de quatro e de cinco casas, casas isoladas, oficinas, residência para o engenheiro chefe, para o engenheiro brasileiro etc. Esta era a Vila Martin Smith, com suas casas em madeira e telhas francesas ou de fibro-cimento. Ali moravam funcionários da São Paulo Railway que pagavam um aluguel simbólico pela moradia. Aos poucos, as casas e galpões da Vila Velha também foram sendo trocados, por residências semelhantes às da Vila Martin Smith. Uma nova estação também foi construída e inaugurada em 1900. Era, de acordo com o jornalista Ernesto Somma, do “Jornal do Comércio” de 30 de março de 1900: (…) “um vasto edifício luxuoso, de requintado gosto artístico, elegante e construído em parte de madeira, toda envernizada. A sua collocação e o estylo architetonico a torna um edifício imponente, gracioso e pittoresco no meio daquela serra, cercada de altas montanhas de verde escuro, pujante na grandeza da natureza brazileira, deslumbrante pelo panorama cheio de sorprezas que desenrolão-se os olhos dos visitantes.”
A Estação de Paranapiacaba guardava um dos símbolos da Vila: o relógio, que ainda hoje está na Estação nova. De acordo com a tradição oral, o relógio marcava as diversas atividades da Vila: hora de início do turno, horário dos trens, horários de descanso etc. Mesmo quando a densa neblina não permitia visualizar o ambiente do entorno, o som das badaladas do relógio estava presente, marcando as horas do dia e da noite. Atualmente, após anos sem trabalho, o relógio voltou a marcar os horários em Paranapiacaba.
Com o fim da concessão de 90 anos, a São Paulo Railway foi encampada pelo governo federal em 1946. A estrada de ferro não tinha mais o monopólio do transporte a Santos. Na década de 1920 foi inaugurada a estrada de rodagem Caminho do Mar e na década de 1940 a Via Anchieta trouxe mais uma oportunidade para o meio de transporte que iria se impor a partir de então: o transporte rodoviário.
Apesar de algumas modernizações efetuadas desde então – eletrificação da linha em 1959 e a modernização do transporte de subúrbio entre 1950 e 1970, com a troca total dos trens em madeira da antiga São Paulo Railway, por trens em aço inoxidável – a ferrovia perdeu seu espaço no cenário nacional.
Paranapiacaba, por sua vez, também já não tinha mais a mesma utilidade. Em especial quando foi inaugurado o sistema de cremalheira-aderência em 1974. Este foi instalado sobre o trajeto dos primeiros Planos Inclinados. As principais modificações eram: simplificação do pátio de manobras, transporte de volume bem maior de carga de uma só vez e maior segurança nas viagens. Durante algum tempo os dois sistemas funcionaram conjuntamente, mas na década de 1980 o Sistema Funicular da Serra Nova foi desativado. Com seu fim, acabaram-se as viagens de passageiros para Santos. Houve uma breve retomada no início dos anos 1990, mas atualmente a única linha em funcionamento – cremalheira-aderência – é apenas utilizada para transporte de carga.
Com essa situação a vila de Paranapiacaba perdeu seu ponto de apoio na sociedade. Ela não servia mais para aquilo que tinha sido criada: o sistema ferroviário. A Vila Martin Smith e Vila Velha estavam sendo desocupadas. O sistema automatizado não necessitava de um grande número de ferroviários na Vila. Esta área, de propriedade da Rede Ferroviária Federal, exigia uma cara manutenção frente a moradias vazias ou pouco habitadas. Adicionalmente, os equipamentos ferroviários foram sendo retirados ou abandonados. Enfim, a Vila começou a sofrer um paulatino abandono.
Alguns movimentos de ex-funcionários, arquitetos, moradores do Morro, funcionários públicos e interessados no patrimônio cultural criaram movimentos de salvaguarda de Paranapiacaba. O mais intenso e que culminou no tombamento da Vila em 1987 foi o Movimento Pró-Paranapiacaba. A Vila foi tombada pela Resolução n.º 37 do Condephaat, de 30 de setembro de 1987, que a caracteriza como bem cultural de interesse histórico, arquitetônico-urbanístico, ambiental e tecnológico.
As vilas Martin Smith e Varanda Velha (Parte Baixa) foram compradas pela Prefeitura de Santo André em 21 de janeiro de 2002.
Fonte: Museu de Santo André Dr. Octaviano Armando Gaiarsa.